Sob a tarefa de mapear a produção contemporânea brasileira, o Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel iniciou seus trabalhos em 2013 tendo horizontes pouco definidos. Se por um lado existia a expectativa de criar uma iniciativa inédita no cenário nacional, premiando projetos construídos na última década, por outro, havia claro o desafio de fundar uma premiação sem categorias lidando com um universo amplo de programas e comparando iniciativas das mais diferentes escalas.
O que era uma primeira intenção comprovou-se ao longo das edições posteriores. O Prêmio consolidou-se com número crescente de inscrições e trouxe, a cada formação de júri, um leque de questões urgentes que concernem aos campos da arquitetura e urbanismo e da prática profissional. Além da efetiva premiação, uma exposição anual apresenta os projetos de maior destaque seguida de uma publicação com textos críticos dos jurados, além textos de curadores e pesquisadores do Instituto.
Apesar do pioneirismo da iniciativa, havia, no entanto, a carência de atrelar às novas edições instâncias de pesquisa que pudessem refletir inclusive sobre o processo de elaboração do próprio Prêmio. Com esse intuito, um Grupo de Trabalhos foi formado por membros das equipes de Curadoria, Produção e Design do Instituto. Essa equipe multidisciplinar partiu do pressuposto de, a cada ano, rever e propor formas e conteúdos distintos para a apreensão e entendimento dos projetos selecionados. O Prêmio passava então a ser uma plataforma de constante experimentação acerca das formas de expor.
O Grupo de Trabalhos desenvolve, meses antes da exposição, uma série de estudos que exploram as salas do Instituto visando questionar modos já consolidados de representação e apresentação dos projetos selecionados. A discussão aborda os limites e as potencialidades dos meios usuais de representação da arquitetura, testando possibilidades de arranjo e de compilação dos dados relacionados a cada projeto. Critérios como potencialidade dos materiais, sistemas de modulação, iluminação e possíveis suportes são minuciosamente discutidos buscando viabilizar propostas arrojadas aliadas a um baixo custo.
A pesquisa realizada pelo Grupo foi, ao longo das edições, lidando também com referências históricas da expografia de arquitetura e fazendo referência a expoentes como Herbert Bayer, Walter Gropius e Lászlo Moholy-Nagy. A exploração dessas referências históricas buscava problematizá-las no contexto atual tensionando padrões de representação e reconfigurando cenários. Em muitos casos, elegia-se um escopo (desenhos, fotografia, vídeos) e adaptava-se os desenhos técnicos e fotografias cedidos pelos escritórios a fim de conferir uniformidade ao conjunto.
Modos de expor: o partido da sexta edição do prêmio
O início dos anos 1930 marca a gestão de Alfred Barr, historiador estadunidense à frente do então recém-fundado Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Sob o propósito de dar cara ao museu e legitimar a produção norte-americana no cenário internacional, sua direção trouxe uma série de mostras com caráter provocador e acompanhadas por publicações ancoradas em escritos de importantes teóricos do período.
Buscando estabelecer parâmetros de uma arte moderna, a arquitetura e o design foram elencados por Barr como motes igualmente relevantes de investigação (assim como a fotografia e o cinema), rapidamente legitimados e disseminados apesar de um momento de crise da disciplina, cujos autores investigavam novos caminhos e proposições.
O departamento curatorial de arquitetura e design no MoMA foi o primeiro a reconhecer e incorporar vertentes do movimento moderno, e nesse sentido desenvolveu, desde a década de 1930, centenas de exposições. O caráter fortemente experimental de suas exposições marcou já a primeira mostra de arquitetura do museu, intitulada Exposição Internacional de Arquitetura Moderna (9 de fevereiro a 23 de março de 1932), que focava nomes como Frank Lloyd Wright, Walter Gropius, Le Corbusier, Mies van der Rohe, Raymond M. Hood e Richard J. Neutra.
A originalidade dessa exposição não somente refletia-se na escolha do tema e dos colaboradores – foi Lewis Munford um dos curadores convidados a pensar um dos núcleos curatoriais, acerca da habitação moderna –, mas estendia-se aos recursos expográficos que pretendiam aliar ao ideário moderno a alcunha de movimento inovador e também popular.
Não à toa, a mostra do MoMA escolheu como objetos expográficos fundamentais dois elementos: a fotografia e, principalmente, a maquete. A primeira delas provinha do cerne do próprio museu, com um departamento específico que buscava dar o devido peso à tradição da fotografia estadunidense, calcada em divulgar expoentes do século XX. A segunda se aliava a uma tradição bauhausiana de valorização do modelo volumétrico como elemento de estudo e representação que ganhou, na referida mostra, um destaque de absoluta proeminência. As salas expositivas traziam ao centro maquetes de obras como a Villa Savoye, de Le Corbusier, que norteavam a apreensão, pelo visitante, da produção do arquiteto.
Mas por que, então, abordar hoje uma exposição paradigmática dos prenúncios do moderno? A pergunta serve como motivo para nos aproximarmos da dinâmica das discussões do Grupo de Trabalhos. Um aspecto se tornou o motor das discussões neste ano. Era consensual a crença de havermos explorado extensivamente o desenho como meio de representação ao longo das edições anteriores do Prêmio, favorecendo a penetração de sua legibilidade entre um público especializado. Recorremos a diferentes suportes – desde croquis mais simplificados a modelos renderizados – para promover, junto à documentação fotográfica, uma aproximação com o público geral. Mas, inquestionavelmente, eram os modelos volumétricos que nos traziam maior retorno em visitas e nas oficinas da nossa equipe de educadores.
Foi a partir dessas considerações que designamos a maquete como elemento central da sexta edição, buscando estabelecer um percurso dentre os diferentes detalhamentos e partidos construtivos.
Nossa referência contemporânea imediata foi o Pavilhão Brasileiro da Bienal de Veneza (Reporting From The Front), realizado em 2016. Não obstante a tímida presença dos modelos volumétricos, o Pavilhão ordenava-se pela presença de inúmeros cartazes destacáveis com dados complementares de cada projeto apresentado. A ideia nos pareceu convidativa e, junto a referências históricas basilares, conseguimos conciliar os devidos pesos aos modelos volumétricos, à fotografia e aos cartazes. Com duas possibilidades de imersão totalmente distintas, o visitante encontra no espaço expositivo uma primeira vivência dos projetos, atendo-se a relações entre escalas, elementos compositivos e implantação. Num segundo momento, o cartaz pode lhe possibilitar uma apresentação mais detida dos elementos projetuais mais marcantes.
A escolha do exemplo da mostra paradigmática de 1932, aliada a um experimento recente na expografia relacionada à arquitetura, surge neste ensaio como forma de circunscrever uma pesquisa e uma práxis que vêm se consolidando paulatinamente no decorrer dos anos de realização deste Prêmio. A convicção de que a arquitetura de exposições é fundamental no processo de apreensão, e que as decisões projetuais dela derivadas respondem diretamente à conceituação de uma mostra e à experiência do visitante, traz a este Prêmio uma camada suplementar: a de que os modos de expor constroem narrativas determinantes em resposta aos questionamentos de nossa disciplina. Por intermédio da eleição e do tensionamento de diferentes meios representacionais da arquitetura, o Grupo de Trabalhos propõe um caráter experimental inédito no circuito brasileiro.
O Grupo de Trabalhos atualmente é formado por: Lucas Fabrizzio, arquiteto e coordenador de montagem de exposições, Rodolfo Borbel Pitarello, produtor e assistente de montagem; e Mônica Pasinato, designer. A equipe envolvida na concepção e realização do Prêmio é formada por: Felipe Arruda, diretor do Núcleo de Cultura e Participação e coordenador do Prêmio, Agata Takiya, coordenadora e Thiago Zati, produtor do Prêmio.